BUSCA POR JOVENS DESAPARECIDOS É UM DESAFIO
POR CÉSAR MODESTO *
Cerca de 90% dos casos de desaparecimento envolvendo crianças e adolescentes no Pará são resolvidos ainda nas primeiras semanas após o registro da ocorrência. Os casos restantes, porém, desafiam o Serviço de Identificação e Localização de Crianças e Adolescentes Desaparecidos (Silcade), unidade pertencente à Divisão de Atendimento ao Adolescente (Data) e responsável pelo enfrentamento desta dura realidade.
De acordo com o coordenador do Silcade, investigador Edivaldo do Carmo, estes casos se tornam emblemáticos devido à natureza do desaparecimento, que se difere da maioria das ocorrências, que em geral é motivada por conflitos familiares. "Sequestros e tráfico humano, por exemplo, são bem menos comuns, mas acontecem. Na maioria das vezes, pais e filhos vivem conflitos familiares, seja por causa da violência doméstica, da homofobia ou mesmo pela falta de atenção, o que motiva esses jovens a sair de casa e, consequentemente, correr todos os riscos que o mundo pode oferecer", afirma.
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CARTAZES DE DESAPARECIDOS |
Além das ocorrências desafiadoras, o investigador relata o caso de um adolescente de 16 anos que fugiu de casa e reapareceu pouco tempo depois. "Ele é de família rica, mora no bairro de Nazaré e praticamente tem tudo o que quer. Mesmo assim, resolveu fugir porque, segundo ele, sentia falta da atenção e carinho dos pais, que seriam muito ausentes". Apesar disso, o jovem chegou a simular dois sequestros, sendo que o primeiro fez a família mudar de endereço e o segundo, quase pagar R$ 30 mil pelo falso resgate.
Ocorrências como esta, envolvendo conflitos familiares, figuram entre as mais comuns registradas pelo Silcade. Mesmo assim, o coordenador da unidade aponta que o adolescente em questão teve sorte, pois a partir do momento que o jovem sai de sua casa, fica está exposto a perigos maiores, dentre eles a ação de pedófilos e de aliciadores. "Na mente do adolescente, esta fuga pode parecer irrisória, porém, pode vir a se tornar algo bem pior, considerando que ele chama a atenção de quem está na rua disposto a roubar, abusar e até matar. Quando nos deparamos com estes casos, conversamos bastante com o adolescente e mostramos os perigos aos quais ficam expostos ou podem vir a se tornar, caso caiam no mundo das drogas e da criminalidade", explica Edivaldo.
Segundo ele, o papel do Silcade é "ouvir, conversar, entender e orientar as famílias e seus respectivos filhos, sobrinhos e netos, quando localizados". Em 2010, foram registrados 484 desaparecimentos e 483 localizações de crianças e adolescentes. Já de janeiro deste ano até o dia 4 deste mês, foram registrados 298 desaparecimentos e 277 localizações. Dois terços das ocorrências envolvem adolescentes do sexo feminino. "Os pais precisam entender que o diálogo com os filhos talvez seja a única forma de evitar as repentinas fugas". revela o investigador Edivaldo.
Vítima pode ter sido levada para a Europa
Outro caso que desafia a polícia é o desaparecimento de Luciana Regina Pinheiro Cassiano, na época com 10 anos e hoje com 30. Acredita-se que ela tenha sido levada para a Europa, e, devido à interferência de pessoas influentes na cidade de Soure, na região do Marajó, a família acabou perdendo o contato com Luciana e o inquérito foi comprometido.
De acordo com o depoimento da família, Luciana comunicou que iria visitar o avô, que é um conhecido comerciante daquela região, porém, nunca chegou ao seu destino e está desaparecida desde então. "Recentemente surgiram novas pistas do paradeiro de Luciana, contudo, não podemos entrar em detalhes para não comprometer as investigações", resume o investigador, que publica no site da Data uma imagem de Luciana envelhecida digitalmente. Uma foto da época do desaparecimento foi modificada para indicar como Luciana estaria hoje.
Briga pela guarda da filha acaba em sumiço misterioso
Em relação aos casos emblemáticos, o investigador Edivaldo do Carmo, do Serviço de Identificação e Localização de Crianças e Adolescentes Desaparecidos (Silcade), destaca o desaparecimento de Maria Clara Vasconcelos, na época com cinco e hoje com seis anos de idade. "Inicialmente, tratava-se de uma briga judicial pela guarda da criança, da qual a mãe saiu vencedora, mas o pai, Marlisson da Silva, que também atende por ‘Márcio’, resolveu tomar a menina à força", explica o investigador.
Na manhã de 23 de janeiro deste ano, Marlisson foi até a casa da cunhada, que cuidava de Maria naquele período, e ameaçou matá-la caso não entregasse a menina, pois a mãe supostamente havia concedido a guarda para ele. O fato ocorreu no bairro da Cidade Nova, no município de Ananindeua, e, desde então, Maria está desaparecida e o paradeiro de Marlisson é desconhecido. Já a mãe da criança foi embora para a casa de outra irmã, na cidade de Salvador, no Estado da Bahia, e não retornou mais ao Pará. Em março deste ano, Marlisson teve o pedido de prisão preventiva decretado pelo juiz substituto da 3ª Vara Penal da Comarca de Ananindeua, Antonio Fernandes de Carvalho Vilar.
"Na época do desaparecimento, a tia da criança registrou um boletim de ocorrência referente à ameaça feita por Marlisson, ou seja, não o denunciou por sequestro. Ela foi orientada a vir até o Silcade, porém, sentimos pouco interesse por parte da família materna em reaver a criança. No final do mês de julho, por exemplo, esta mesma tia reencontrou com Marlisson no Terminal Rodoviário de Belém, conversou com ele, que alegou estar morando no interior do Estado, mas não fez nada, isto é, não acionou a polícia nem pediu ajuda de ninguém, atitude incongruente para quem está com uma pessoa desaparecida na família", destaca Edivaldo.
Jovem de 15 anos foi sequestrado no Distrito Industrial
O mesmo se aplica aos familiares de Patrick Figueiredo Farias, de 15 anos, que foi sequestrado no último dia 20 de julho, no bairro do Distrito Industrial, em Ananindeua, quando quatro homens em dois veículos - um carro modelo Fiat Siena e uma motocicleta modelo Honda Bros, ambos de cor preta e placas desconhecidas - renderam o adolescente, que estava acompanhado da irmã, e fugiram logo depois de o colocarem dentro do carro.
O caso, no entanto, possui alguns agravantes, como explica o coordenador do Silcade: "As investigações apontaram que um primo de Patrick, um adolescente de 16 anos, é envolvido com a criminalidade e é acusado de pelo menos seis homicídios, portanto, a hipótese de vingança não é descartada. Além disso, durante os depoimentos das testemunhas, surgiram três versões diferentes em relação à cor e o modelo dos veículos, sendo que predominaram as descrições de um Siena e uma Bros pretos. Há algum tempo, inclusive, recebemos uma ligação anônima informando que o corpo de Patrick estaria enterrado no lixão do Aurá, em Ananindeua. Contudo, fomos ao local e os catadores disseram não ter visto nada de anormal e, para variar, o lixão possui dimensões consideráveis, tanto que pedimos reforço para os bombeiros para dar início às buscas e confirmar ou não a informação".
Legislação
Com a Lei 11.259/2006, também conhecida como Lei da Busca Imediata, toda unidade policial é obrigada a registrar toda e qualquer ocorrência de desaparecimento e também a dar início às buscas, além de acionar órgãos como as polícias Rodoviária e Federal, aeroportos e terminais de ônibus para localizar a pessoa desaparecida;
Com a sanção da Lei nº 12.393/2011, foi instituída a Semana de Mobilização Nacional para Busca e Defesa da Criança Desaparecida;
Quem recebe ou acolhe criança ou adolescente desaparecido dentro de casa, sem autorização dos pais, poderá responder criminalmente por induzimento a fuga e sofrer pena alternativa aplicada pela Justiça, conforme interpretação da Lei 8.069/1990, também conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente.
Família mantém contato para saber das investigações
O desaparecimento de Djalma Filho Monteiro do Carmo, de 18 anos, em abril deste ano, é outro caso que se difere da maioria das ocorrências registradas pelo Silcade. Por outro lado, a família do jovem, que na época tinha 17 anos, está entre as que mais mantêm contato com a unidade para saber novidades das investigações.
"Há pelo menos duas semanas os pais dele vieram ao Silcade para conversar e tentar relatar fatos novos que contribuam na localização de Djalma. As informações preliminares são de que ele estava na companhia de outro jovem, cuja identidade é desconhecida, e foi até uma festa na avenida Bernardo Sayão, próximo da rua Engenheiro Fernando Guilhon, no bairro do Jurunas, e, simplesmente, desapareceu. Segundo a família, Djalma sempre foi um rapaz tranquilo e nunca havia dado problemas nem sumido de casa", relata o investigador Edivaldo, que acredita se tratar de um caso que exige paciência tanto da família quanto da polícia.
Endereços e telefones úteis
Divisão de Atendimento ao Adolescente (Data)
Rua dos Caripunas, 1.200, quase esquina com rua dos Caripunas, bairro do Jurunas
Telefone de plantão: (91) 3271 2096
Telefone Silcade: (91) 3272 0776
Site: www.data.policiacivil.pa.gov.br
E-mail: data@policiacivil.pa.gov.br
Twitter: @DATA_PA
Pró-Paz Integrado
Fundação Santa Casa de Misericórdia - rua Bernal do Couto, s/n, esquina com avenida Generalíssimo Deodoro, bairro do Umarizal
Telefone: (91) 3223 2412
Email: propaz@policiacivil.pagov.br
* REPORTAGEM PUBLICADA NO JORNAL AMAZÔNIA DESTE DOMINGO, 21 DE AGOSTO.
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