REPORTAGEM DO DOMINGO: MÁFIA DOS CARTÕES NA MIRA DA POLÍCIA

Por César Modesto *

O economista Fritz Machlup foi um dos primeiros estudiosos a usar o conceito de sociedade da informação, elaborado ainda na década de 1970, para afirmar que uma sociedade deve ser encarada como um organismo em constante transformação, tendo em vista as novas tecnologias. O surgimento dos cartões de crédito e débito e o uso da internet para fins comerciais podem ser considerados bons exemplos disso. Pode-se, portanto, afirmar que atualmente a sociedade está tão inserida no mundo real ou sensível quanto no virtual ou eletrônico. E também vulnerável.

A Delegacia de Repressão a Crimes Tecnológicos (DRCT), vinculada à Divisão de Repressão ao Crime Organizado (DRCO), prendeu na semana passada uma quadrilha especializada em desviar cartões eletrônicos, crime que gerou prejuízos de pelo menos R$ 1 milhão em quatro agências bancárias da capital paraense. O carteiro Manoel Pereira de Souza, de 54 anos, também conhecido como "Mandoquinho", o fraudador Fabio dos Reis Abreu, de 30 anos, e mais 13 pessoas foram presas durante a operação coordenada pelo delegado Felipe Pinheiro e cujas investigações foram presididas pela titular da unidade, delegada Beatriz Silveira.

O esquema funcionava mediante o extravio de cartões de banco e de crédito por carteiros integrantes da quadrilha, ainda na central de distribuição dos Correios. Em seguida, os cartões eram entregues para os fraudadores, responsáveis pelo desbloqueio dos cartões por meio da confirmação de dados pessoais das vítimas repassados por elas mesmas. Os fraudadores entravam em contato com os respectivos clientes se passando por funcionários dos bancos. Sem desconfiar de nada, as vítimas repassavam seus dados e as senhas dos cartões, que eram usados para financiar a compra de produtos eletroeletrônicos, eletrodomésticos, roupas e festas.

As investigações duraram aproximadamente três meses. Mediante denúncias e boletins de ocorrências registrados na DRCT e em algumas seccionais urbanas, um inquérito foi instaurado para apurar os fatos e identificar os criminosos. Em pouco tempo descobriu-se que a quadrilha se concentrava no bairro do Guamá para planejar e executar o esquema. Uma vez identificados os suspeitos, os policiais civis da DRCT fecharam o cerco e aguardaram pelo próximo movimento dos criminosos.

FLAGRANTE Na noite do dia 20 deste mês, Manoel e Fabio haviam marcado um encontro na praça Brasil, no bairro do Umarizal, em Belém. Naquela ocasião, o carteiro entregaria um pacote com aproximadamente 40 cartões eletrônicos extraviados de dentro dos Correios e receberia R$ 300,00 pelo serviço. Assim que ambos se encontraram e efetuaram o negócio, a equipe da DRCT entrou em ação e prendeu a dupla em flagrante, conduzindo-a até a sede da DRCO, no bairro da Pedreira. Na unidade descobriu-se que Fabio já havia sido preso pelo mesmo crime em fevereiro de 2011, durante a operação Serpentina, deflagrada também pela DRCO. A quadrilha que ele integrava tinha extensões no Pará, Amapá, Maranhão, Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro.

Manoel e Fabio foram autuados em flagrante pelos crimes de furto mediante fraude, receptação de documento particular e falsidade ideológica. Após a prisão, a equipe de investigadores seguiu para as residências dos acusados, onde encontrou mais 90 cartões de banco prontos para serem usados, além de dados pessoais de várias vítimas. A DRCT não sabe precisar o prejuízo provocado pela quadrilha, mas sabe que em apenas um golpe foram arrecadados R$ 900 mil. Os policiais civis partiram em busca dos demais integrantes da quadrilha identificados e depois chamou as vítimas para que elas tentassem reconhecê-los. Um dos presos foi encontrado em um condomínio fechado na rodovia Augusto Montenegro, onde tinha carros e artigos de luxo, além de produtos eletroeletrônicos e roupas de grife. Tudo foi apreendido.

BANDO PROCURADO De acordo com o delegado Felipe Pinheiro, a quadrilha presa no último final de semana pode ser ainda maior, por isso, as investigações continuam. "Além do carteiro Manoel, também estávamos e ainda estamos investigando outros carteiros para saber quem tem, teve ou não teve algum envolvimento com a quadrilha, que pode ser maior do que imaginamos e com integrantes espalhados em vários pontos da Região Metropolitana de Belém ou mesmo do Estado e do País", destaca.

Ainda segundo o delegado, esta quadrilha aplicava um tipo de golpe que está se tornando comum não apenas em nossa região, mas em todo o Brasil, conhecido como engenharia social. "A engenharia social consiste, resumidamente, em ludibriar as vítimas para que elas mesmas repassem informações e dados privilegiados para que esses criminosos possam realizar transações financeiras ilícitas". Em geral, essas quadrilhas mantêm como integrantes servidores públicos com acesso direto ou indireto a esse tipo de informação, às vezes dispensando as informações privilegiadas (senhas, códigos) para efetuar o esquema. Mulheres e idosos são as maiores vítimas desses criminosos, afirma o delegado da DRCT, seja por falta de informação ou discernimento.

O principal motivo pelo qual as quadrilhas não partem diretamente para a clonagem de cartões eletrônicos é o custo. Para clonar um chip é necessário investir pelo menos R$ 100 mil em equipamentos, um gasto considerado extremamente elevado para os fraudadores. "Por esta razão eles preferem extraviar os cartões eletrônicos que já existem, tendo como apoio, principalmente, servidores públicos. O passo seguinte é conseguir reunir as informações e dados pessoais para que lhes possam garantir a credibilidade necessária para roubar as senhas e códigos desses cartões com as próprias vítimas", ressalta o delegado.

Desde o início deste ano, a DRCT recebeu 15 pessoas que dizem ter sido vítimas desse tipo de golpe. "Com posse de informações como nome completo, endereço residencial ou de correspondência e até RG ou CPF, esses criminosos conquistam a confiança de suas vítimas e então solicitam, por telefone ou por e-mail, para que sejam confirmadas ou completadas as senhas ou outros dados que são do interesse deles. Parece irrisório, mas a quantidade de pessoas que são vítimas desse golpe é grande e muitas deixam de fazer ocorrência", destaca Felipe Pinheiro.

RECOMENDAÇÃO Os casos em que uma movimentação financeira indevida é feita são os mais relatados à DRCT. "É o crime mais comum. Por conta da gravidade, também é o mais denunciado pela população, que deseja limpar seu nome ou mesmo recuperar seu patrimônio", afirma o delegado Felipe. Outro crime investigado pela unidade é o que usa máquinas conhecidas como chupa-cabra, que "chupam" o código e senha dos cartões eletrônicos - o que caracteriza a clonagem de cartões. Em 2011 uma pessoa foi presa em Belém acusada deste crime. A dica para evitar o golpe é sempre atentar para os componentes do caixa eletrônico, pois esses aparelhos nem sempre são embutidos, apenas camuflados.

Falsidade ideológica, falsificação de documentos, violação de direitos autorais, discriminação, apologia ao crime, pedofilia e furto online também são crimes tecnológicos com registros na DRCT. Em relação aos e-mails falsos, o delegado da DRCT oferece duas dicas. "A primeira é que os bancos nunca enviam e-mail para os seus clientes tampouco pedem para confirmar operações ou dados pessoais por meio virtual. A segunda é que esses e-mails falsos são chamados de ‘fishing’, ou seja, servem para ‘pescar’ informações das vítimas e quase sempre são enviados por desconhecidos".

Outras precauções que podem ser tomadas são: evitar ser ajudado por terceiros e desconhecidos em bancos ou caixas eletrônicos e não passar informações por telefone, a não ser que tenha certeza de que está falando com o seu gerente. Denunciar e-mails de supostos bancos, não colocar fotos íntimas ou sensuais para evitar crimes de chantagem, extorsão ou difamação, por exemplo, não aceitar arquivos de terceiros na internet e evitar bater papo com estranhos são outras formas de se proteger. "Recentemente uma jovem foi extorquida por enviar fotos íntimas para um falso agenciador de modelos. Ele era de Goiânia (GO), onde foi preso, e a vítima mora em Belém. O aliciamento também é comum na capital paraense, sempre com o pretexto de pedir uma foto íntima para depois extorquir. Outra modalidade que está crescendo na região é o cyberbullying, praticado entre estudantes na internet", acrescenta o delegado Felipe.

* Fonte: Jornal Amazônia - Edição de 29/01/2012

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