ARTIGO DO DIA: "MÉXICO: OS CARTEIS GANHAM ALCANCE QUASE GLOBAL"

Por Luiz Carlos Azenha, com reprodução de texto de Ricardo Ravelo *

A violência em grandes proporções já se ‘naturalizou’ no México. Matanças em massa (70 corpos encontrados no estado de Veracruz, em 15 dias), corpos esquartejados, dissolvidos em ácido… Tudo isso já foi incorporado como quase ‘normal’. A insegurança é apontada como uma das razões pelas quais o partido governista PAN (Partido de Ação Nacional) pode perder as eleições presidenciais em 2012, mas tudo indica que a esquerda do PRD (Partido da Revolução Democrática) não vai conseguir tirar proveito do fracasso do neoliberalismo no México. Por aqui, dizem que as pesquisas indicam o retorno ao poder do PRI (Partido Revolucionário Institucional), que governou o país durante 70 anos. Uma espécie de PMDB. A seguir traduzo a introdução do livro El Narco en México, do jornalista Ricardo Ravelo, que me foi recomendado como um bom resumo sobre a situação da guerra de cartéis no país:

“Os fatos demonstram que nem o governo de Felipe Calderón, que declarou guerra ao narcotráfico ao iniciar sua gestão em dezembro de 2006, nem a polícia, nem o Exército conseguiram derrotar o crime organizado; pelo contrário, os narco no México não apenas se fortaleceram, contando com as cumplicidades políticas, mas ficou cada vez mais evidente que os domínios do narcotráfico mexicano se estendem por toda a América Latina, os Estados Unidos e, ainda pior, já pisam em território do Velho Continente. Este livro reúne histórias do narcotráfico e de seus aliados no poder político, que permitem entender a penetração dos interesses mafiosos na presidência da República desde o governo de Ernesto Zedillo até hoje. Com maiores detalhes explicamos as causas da desenfreada violência que assola o país e o avanço do narcotráfico em mais da metade do território nacional, onde os narco estão em aberta disputa pelo poder político em muitos municípios e várias entidades federativas.

Algumas destas histórias, como a fuga do capo Joaquín Gusmán Loera, o Chapo, e a execução da advogada Raquenel Villanueva apareceram em meus livros Los Narcoabogados e Los Capos, por exemplo, publicados em 2005 e 2006, respectivamente, por esta casa editorial. No entanto, agora o leitor conhecerá mais detalhes sobre o que aconteceu antes da escapada do líder do cartel de Sinaloa e o entorno turvo que envolveu a chamada Advogada blindada antes dela ser assassinada em Monterrey, Nuevo León. Trata-se, pois, de historias não apenas revisadas, mas também atualizadas. O leitor encontrará, além disso, um detalhado mapa criminal da evolução dos cartéis da droga no México no chamado ’sexênio da guerra’, a etapa mais obscura que já viveu o país e a pior que se recorda depois da Revolução mexicana e da matança estudantil de 1968.

Também se incluem casos dramáticos de impotência social diante do narcotráfico, como o do empresário Alejo Garza Tamez, a quem os Zetas exigiram a entrega de seu rancho e para concretizar a operação chegaram armados até mesmo com um notário público para fazer a transferência da propriedade. Garza, caçador impecável de veados, os esperou armado até os dentes e defendeu a tiros sua propriedade até cair abatido por balas de seus inimigos. Casos como este se multiplicam no México, assim como os sequestros, também perpetrados por células criminosas que chegam a se dar ao luxo de receber em prestações o pagamento de resgastes, sem que nenhuma autoridade faça nada diante dos fatos. Por isso, tem razão Edgardo Buscaglia, assessor da ONU para assuntos de crime organizado, ao afirmar: “O presidente Felipe Calderón é uma figura decorativa diante do desastre ocasionado pela delinquencia. Seu governo não tem capacidade de garantir nada, nem a vida, nem o patrimônio”.

Em outros capítulos se demonstra, por exemplo, que o crescimento dos cartéis mexicanos é, sem dúvida, descomunal; prova disso é que na Espanha, Itália e Reino Unido já operam os narco mexicanos, movendo a droga através de portos e aeroportos nacionais, onde contam com ampla cumplicidade de policiais e altos funcionários de governos, enviando seus carregamentos inclusive em navios mercantes e aviões comerciais. Até a esses confins o México exporta ingovernabilidade e violência. O cartel de Sinaloa, a organização que mais cresceu no atual governo, está presente em 48 países do mundo e por aqui passeia impune o seu capo, que pela segunda vez consecutiva é considerado pela revista Forbes como um dos homens mais ricos do México: Joaquín Chapo Guzmán, a quem se atribui uma fortuna de pouco mais de um bilhão de dólares.

Os Zetas, por sua parte, entram e saem dos Estados Unidos sem ser molestados. Outro grupo armado que em suas origens recrutou desertores do Exército, terminou por consolidar-se como cartel independente. Atualmente entram e saem dos Estados Unidos sem ser molestados; se movem com toda liberdade pelas América Central e do Sul; na Itália, são amplamente conhecidos, sem falar no México, onde sua expansão é tão forte que controlam o corredor Tamaulipas-Nuevo León; e se ainda fosse pouco, dão ordens em boa parte das alfândegas, por onde traficam armas e drogas cobiçadas por funcionários públicos e até por altos comandos do Exército.

A Familia Michoacana é talvez o caso mais exemplar da expansão de um cartel em plena guerra e em curto prazo. Desenvolveu-se em Michoacán, a terra natal do presidente Felipe Calderón, e depois de cinco anos de operação já domina o norte do México. Da Guatemala controla o tráfico de metanfetaminas em vários países da América Central. A chave de seu êxito foi a aliança original que estabeleceu com os cartéis de Sinaloa e Tijuana, que conseguiu consolidar apesar da perseguição a seus principais líderes. As demais organizações criminosas que operam no México, da expansão das quais tratamos neste livro, se mantêm tão poderosas quanto intocadas.

É a este cenário caótico que Felipe Calderón levou o México. E o que se observa em sua guerra contra o crime organizado são dois paradoxos: em primeiro lugar, que a dita cruzada resultou num fiasco, pois não exterminou a nada — os narco estão fortalecidos dentro e fora do México; em segundo lugar, também está evidente que no chamado “sexênio da guerra” o governo ao mesmo tempo combate e dá proteção a alguns barões da droga; e faz isso através de policiais, militares e funcionários públicos de todos os níveis, já que não há como explicar de outra maneira a impunidade com que se movem os capos como Joaquín Chapo Guzmán, Ismael Mayo Zambada ou o chefe dos Zetas, Heriberto Lazcano Lazcano, para citar apenas os mais conhecidos.

Menção à parte merece o tema da lavagem de dinheiro no México, sobre a qual pouco se investiga e pouco se castiga os responsáveis. Investimentos multimilionários são realizados por todo o país, com a compra de imóveis, de todo tipo de empresas e de amplas extensões territoriais. Todas essas aquisições são utilizadas para lavar ativos ilegais, sem que até agora tenham existido investigações oficiais. Os narco, por toda parte, parecem blindados. Dentro deste complexo contexto de violações, também é muito preocupante o tema da imprensa no México. Cada vez é mais perigoso e arriscado fazer jornalismo. Embora estes casos não sejam matéria do presente livro, é preciso expor que dado o alto nível de impunidade, os repórteres que se dedicam aos temas do narcotráfico e do crime organizado correm o risco de perder a vida ou de desaparecer por conta destes poderes de fato, sempre ligados ao poder político. Dezenas de jornalistas foram mortos e outros estão desaparecidos. Seus casos seguem impunes.

Mas existe outra forma de restringir a liberdade de expressão: a calúnia vinda do poder central, com a qual se pretende calar a imprensa crítica do México. Um dos muitos casos foi a experiência vivida em dezembro de 2010 quando, depois de publicar uma reportagem no semanário Proceso sobre as supostas ligações entre o capo Sergio Villareal Barragán com políticos panistas [do PAN], revelando um encontro deste personagem com o presidente da República, em resposta fui acusado falsamente — assim como a revista em que trabalho — de receber pagamentos do narcotraficante em troca de não voltar a mencioná-lo em minhas reportagens. Para orquestrar este temerário golpe político se juntaram três poderes: a presidência da República, o narcotráfico e uma empresa televisiva, a Televisa. O trio atuou exibindo-se como cúmplice de interesses criminosos com o poder político, o que não poderia acontecer em um México democrático — que não encontro em lugar algum –, mas isso explica como um governo que se vê afetado pela crítica, para defender seus interesses obscuros responde atacando a liberdade de expressão que alega proteger e defender.

Desde que começou a guerra contra o narcotráfico surgiram suspeitas sobre as causas de tantas mortes no México. Ninguém dá crédito à versão oficial de que as matanças de seres humanos são produto das vinganças e vendettas entre os capos. Hoje se sabe que dos mais de 40 mil mortos pelo menos a metade desapareceu ou morreu pela sanha de alguns grupos criminosos que, identificados ou não, conquistaram seu propósito diante da paralisia do governo federal: gerar terror e psicose. Sobre os mais de 200 mil km quadrados do território nacional se estende, sombria, uma cortina do medo. Não há um só pedaço de terra livre de tensão e por todas as partes cavalga o potro da impunidade. Nenhuma morte é investigada, nenhum desaparecimento é esclarecido, nenhuma voz se escuta. É a marca panista, a ultradireita no poder que, como nos tempos azíagos de Hitler na Alemanha nazista, cerrou os olhos diante de tantas injustiças.

O presidente Felipe Calderón foi devorado por suas debilidades e seus erros. Caprichoso, não soma em suas decisões nenhum sinal de inteligência. É a brutalidade exercida desde o poder. Fechado a ouvir, insiste em manter o exército nas ruas para combater a criminalidade o que, longe de abatê-la, a fortalece. Este, sem dúvida, é o exemplo mais claro da debilidade do México “democrático”. O pior é que neste cenário trágico os responsáveis por tantas mortes não tem rosto. Tudo cabe no abismo do narcotráfico. Quem investigará a causa de tantos assassinatos? Quem cobrará o presidente Felipe Calderón?

Estas e outras perguntas da sociedade não parecem ter respostas. Este livro tem como propósito levar ao leitor pedaços desconhecidos da realidade e ajudá-lo, com informação documentada, a penetrar nas tramas do narcotráfico e suas ligações com o poder e os homens poderosos. É para que o leitor compreenda por que a violência atormenta este país, que vive hoje sua mais grave crise de insegurança dos últimos anos. A realidade, que em outras épocas se imaginou insana, agora cumpre sua função proporcionando imagens; o repórter proporciona as palavras onde observa que estão fazendo falta.

* PUBLICADO NO DIÁRIO DE GUADALAJARA

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