MÃES DE VÍTIMAS E POLICIAIS USAM SENSIBILIDADE PARA SUPERAÇÃO
POR CÉSAR MODESTO *
Há quem diga que as mulheres, homenageadas com um dia (8) só delas este mês, representam o sexo frágil, mas não faltam exemplos de superação e perseverança para provar o contrário. Porém, é por meio da vocação ou quando fatos trágicos ocorrem, geralmente de forma inesperada, que elas demonstram seu verdadeiro valor. Fundadora do Instituto Movimento pela Vida (Movida), Iranilde Russo descobriu com a perda do filho, o promotor de eventos Gustavo Maia Russo, morto em 2005, uma oportunidade de ajudar outras mulheres a superar a dor e lutar por justiça.
Para ela, a relação da mulher com a violência é difícil, na maioria das vezes dolorosa, e algo que ninguém espera que aconteça ao longo da vida. Gustavo foi morto em circunstâncias suspeitas, quando foi abordado por Lucivaldo Cunha, que estava fardado e o obrigou a cooperar com sua fuga, ameaçando-lhe com uma arma de fogo. Com 27 anos, Gustavo se viu obrigado a fugir de uma viatura da Polícia Militar, mas foi cercado e, mesmo alegando ser vítima e não criminoso, foi alvejado junto com Lucivaldo pela guarnição que os perseguia em uma suposta troca de tiros. Segundo os familiares de Gustavo, as investigações da Polícia Civil apontaram que a arma usada pelo criminoso estava sem munição.
Passados sete anos da morte do filho, a dor ainda é grande, diz Iranilde. Ela acredita que um dia terá forças para encarar aqueles que mataram Gustavo ou mesmo conhecer os familiares deles, mas que, por enquanto, suas atenções estão voltadas para consolar e unir forças com as mulheres que vivem hoje o mesmo drama. "Este vai ser um encontro muito difícil. Tenho certeza que nenhuma mulher, nenhuma mãe é preparada para isso. Confrontar a pessoa que matou um ente querido é muito doloroso. Conheço muitas pessoas que desmaiaram pelo simples fato de dividir o mesmo ambiente com o matador de seus familiares, coisa que a Justiça parece não entender e, muitas vezes, força essa situação. Com relação aos pais dessas pessoas (policiais militares que mataram Gustavo), estes sim eu tenho uma curiosidade maior, mas acho que ainda não é o momento", pondera
Mulher é sentimental, mas não sofre menos, diz membro do Movida
Para a presidente do Movida, que reúne aproximadamente 80 famílias e conta com grande participação feminina, a violência existe quando a base familiar não é algo importante na vida das pessoas. "Quando você perde alguém que conviveu com você, que você tenha depositado sonhos e expectativas e que, de repente, é tomada de uma forma arrebatadora, no início você um tanto enlouquece. Mas depois de um tempo começa a pensar de maneira holística e passa a trabalhar em prol de um bem maior, para que situações ruins não aconteçam novamente e ninguém passe por isso", acrescenta Iranilde Russo.
A falta de um ambiente favorável para o crescimento e a mudança de valores é o que Iranilde considera a maior falha na educação dos filhos. "É neste ponto que eu tenho curiosidade em conhecer a família (dos acusados de matar Gustavo), em especial as mães dessas pessoas que foram capazes de um ato tão hediondo. Gostaria de saber o que a vida significa para elas, que valor atribuem. O homem, geralmente, é mais racional e por isso tem mais dificuldade em aceitar e superar a dor da perda; eles são imediatistas e logo pensam em fazer justiça com as próprias mãos. Já a mulher, por outro lado, é sentimental, portanto, mais tolerante, o que não significa que sofra menos. Acredito que toda mãe sabe a importância que tem a base familiar na vida de uma pessoa", avalia.
Policial acredita ter vantagens na relação com a própria equipe
A diretora da Delegacia de Repressão a Crimes Tecnológicos (DRCT), delegada Beatriz Silveira, acredita que as mulheres conseguem levar vantagem no combate ao crime e à violência em relação aos homens. Escrivã desde os 18 anos e policial civil desde os 23, a delegada também está dando um passo bastante importante na vida de uma mulher: ser mãe. Para ela, ser delegada de polícia é uma tarefa difícil, pois o combate à criminalidade é árduo, constante e acaba exigindo mais da mulher, que também se dedica ao marido, aos filhos e demais familiares. "Acredito que as mulheres têm como vantagem serem mais sensíveis e emotivas, fazendo com que sua equipe se mantenha unida, aliando razão, emoção e dedicação. Assim, elas sabem o melhor momento de agir, empenhando-se na busca pela excelência profissional", argumenta.
Com uma rotina de enfrentamento à criminalidade, Beatriz Silveira destaca a importância da família para superar as dificuldades da vida profissional; pois ser policial, destaca, é uma função que exerce 24 horas por dia. "A atividade policial é realmente muito dura e desgastante, muitas vezes chegamos em nossas casas cansadas, tristes e esgotadas. Mas basta vermos o sorriso de quem amamos para que nosso coração se encha de alegria e forças para continuar nessa luta", acrescenta, citando também a delegada Ione Coelho, atual coordenadora do recentemente criado Grupo Especial de Investigações e Combate aos Crimes Múltiplos (Gecrim) como amiga e fonte de inspiração.
Para delegada, autoridade deve ser conquistada, não imposta
Na luta contra o crime, a delegada Beatriz Silveira considera ainda que muitas mulheres em postos de comando são detalhistas, dedicadas, exigentes e, acima de tudo, buscam a motivação da equipe, baseando suas gestões na produtividade e na compreensão entre todos. Ela afirma que as mulheres entendem que a verdadeira autoridade é conquistada e não imposta, condição que faz com que a equipe respeite a liderança e se mantenha leal, se empenhando cada vez mais na busca de resultados positivos que é fundamental na atividade policial.
"Acredito que no passado existiam diferenças no tratamento por colegas de profissão e mesmo pela sociedade, mas hoje as mulheres vêm se destacando firmemente. Quando me apresentava como delegada, aos 23 anos de idade, lembro que muitas pessoas não acreditavam e depois ficavam sem graça. Mas penso que com o exemplo positivo, as pessoas não só respeitam, como confiam. Certa vez fui procurada por uma pessoa que teve os animais furtados e expliquei que eu estava como titular de combate a crimes tecnológicos e que eu a encaminharia para a unidade policial mais indicada, mas essa pessoa insistiu, pois confiava que minha equipe e eu poderíamos resolver aquela situação. É muito satisfatório quando percebemos que a população reconhece os esforços e confia em nosso trabalho", conclui.
Diretora de presídio também é vista como psicóloga e advogada
Segundo a diretora do Centro de Recuperação Feminino (CRF), Lygia Cypriano, o tráfico de drogas é o principal delito que leva as mulheres para trás das grades, e é a causa da prisão de aproximadamente 70% das mulheres da unidade policial situada em Ananindeua, Região Metropolitana de Belém, onde estão cerca de 600 detentas. "Acredito que também se trata de uma questão social, pois a maioria pertence a classe econômica menos favorecida, com três ou mais filhos e com os seus respectivos companheiros presos. Além disso, elas são consideradas ‘soldados do tráfico’, pois acabam assumido as atividades dos maridos".
Apenas 5% das mulheres presas em decorrência do tráfico de drogas pertencem ao crime organizado. Este também é o percentual de reincidência de presas no CRF, problema que ocorre mais entre moradoras de rua e não entre traficantes, ao contrário do que a maioria da população imagina. Ainda segundo Lygia, a maioria das detentas é ré primária e dentro da prisão têm a chance de se ocupar com várias atividades de ressocialização.
Além de diretora da unidade, ela também é considerada pelas detentas como assistente social, psicóloga e advogada. "Por ser mulher, eu entendo as necessidades essenciais e o comportamento delas. As detentas têm T.P.M. (tensão pré-menstrual), sentem mais falta dos filhos do que o marido, outras sofrem quando os namorados as abandonam, entre outras questões. Elas necessitam de um tratamento diferenciado porque as exigências são outras", destaca Lygia, que já dirigiu presídios masculinos.
A diretora afirma que lidar com as detentas não é uma tarefa simples. "Apesar de tudo, trabalhar aqui não significa que seja mais tranquilo que as demais unidades carcerárias, pois também tem seus problemas como qualquer outro lugar. No mais, acredito ainda que por ser mulher e por natureza ser mais compreensiva, isso facilite a minha aproximação com as internas. De alguma forma, isso me ajuda a tocá-las para que, quando deixarem este lugar, não voltem mais". * FONTE JORNAL AMAZÔNIA (EDIÇÃO DE DOMINGO, 4 DE MARÇO DE 2012).
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