MATERNIDADE MUDA RUMOS NA POLÍCIA
* POR Andréia Espírito Santo
"É indescritível chegar em casa depois de um dia de trabalho e ver o sorriso dos filhos. Eu demorei para ter filhos, mas quando consegui fui presenteada em dobro". O relato é apenas mais um entre os tantos ouvidos todos os dias de mães orgulhosas. E realmente seria só mais um se não viesse de alguém com uma rotina de trabalho no mínimo incomum. Erika Miralha, 35 anos, é bacharel em Direito, é também major da Polícia Militar com 18 anos de profissão. Ela conta que o sonho de ter filhos sempre a acompanhou, mas em função da rotina, precisou ser adiado até o momento certo, há pouco mais de um ano.
Ela é mãe dos gêmeos Artur e Davi, com pouco mais de um ano. "Eu queria primeiro a estabilidade e chegar a um momento ideal na carreira. Também tinha a questão da maturidade. Agora, com 35 anos, esse foi o melhor momento", comenta.
Para ela, o apoio da família e dos superiores foi fundamental para conciliar as obrigações no trabalho com as de mãe. "Minha família e a do meu marido e os meus superiores hierárquicos sempre disseram que iriam me apoiar no que eu precisasse. Eu trabalho no Tribunal de Justiça, na coordenadoria militar. Eu fazia parte da segurança do presidente do Tribunal. Quando engravidei, solicitei ser colocada em outra função e então fui colocada na parte administrativa. Na função que eu ocupava antes precisava viajar muito e seria difícil. Meus superiores entenderam. Lembro que passei mal quando estava em serviço e meus superiores me socorreram e ainda falaram que dariam o apoio necessário para não prejudicar os bebês", conta a major da PM, que sempre aproveita todo o tempo livre para cuidar dos filhos. "A minha rotina começa de madrugada. Eles me acordam. Antes de ir trabalhar os arrumo e aproveito para ficar com eles o máximo que posso antes de sair de casa", relatou.
A policial afirma que a profissão escolhida exige muito de todos que a abraçam. "Nós temos hora para entrar, mas não temos hora para sair. Não há uma rotina. Por isso, eu aproveito cada minuto com os meus filhos. Além disso, a profissão faz com que tenhamos cuidados redobrados. Temos que sempre pensar na segurança e por trabalhar nessa área, conheço a realidade", garante Érika.
Mas a gravidez de gêmeos não a fez esquecer a vida profissional. Érika trabalhou o máximo de tempo indicado pelos médicos para que a gestação não fosse prejudicada. "Trabalhei até o oitavo mês de gestação e entrei de licença. Foram seis meses. Quando precisei retornar ao trabalho foi difícil. Por serem dois filhos, pela experiência de ser mãe pela primeira vez, é muito complicado se desligar da vida maternal e da rotina que se tinha durante a licença. No entanto, aos pouco eu fui voltando à rotina de policial militar", conta.
Em relação ao físico, que é importante para quem trabalha como policial, a major conta que na gravidez engordou 18 kg. "O ritmo com os gêmeos é tão pesado que em um mês depois de dar a luz já tinha praticamente voltado ao meu peso. Faltavam cinco quilos para ter o peso ideal antes da gravidez. Claro que por eu ser policial meu condicionamento físico, aliado a amamentação que mantive até poucos meses, ajudaram a emagrecer e a recobrar minha agilidade, entre outras características fundamentais na minha profissão", avaliou.
Conciliar afazeres é a principal exigência
No caso da escrivã Andrea Ferreira Lopes, 36 anos, mãe de Isadora, de 6 anos, a maternidade foi no momento que ela iniciaria um novo ciclo na vida profissional. Depois de passar cinco anos no interior, ela foi transferida para Belém e havia acabado de entrar na faculdade de Direito. "No início foi complicado. Já pensou? Você é policial, estuda e ainda está grávida. Foi preciso muita força de vontade. Passava o dia inteiro fazendo atendimento e depois tinha a faculdade. Às vezes eu saía 7h30 de casa e voltava depois das 23 horas. Depois que tive minha filha, a rotina continuou a mesma. Conciliar o trabalho, a faculdade e os cuidados com o filho foi complicado. Fazia tudo grávida e depois com a criança nascida. Mas eu consegui. Trabalhei até os últimos dias da gravidez, por decisão própria. Eu estava bem fisicamente, apesar da barriga grande", contou a escrivã.
A escrivã comenta que conseguiu porque está função na Polícia Civil pedia que ela ficasse sentada. "Mas é complicado de qualquer maneira, porque lidamos com muitas pessoas. Ter um marido policial e que conhece a rotina também ajudou, tanto na gravidez como na criação da filha. Em casa, tentamos dividir as funções para que não tenhamos problemas", explicou Andrea.
Agora com a filha crescida, a rotina da escrivã Andrea inclui acordar 6 horas, arrumar a filha, deixá-la no colégio e seguir para a Deam. "Antes ela estudava à tarde e eu ficava preocupada e tinha que programar todo o meu dia. Outra coisa: nós policiais sabemos dos riscos, tudo era muito complicado, mas minha filha tinha condução, alguém de confiança para trazê-la para casa. Depois de superada essa fase veio a questão das saídas. Aos sábados, eu e meu marido procuramos sair com a nossa filha. Ela até cobra os passeios’, conta. Sobre o Dia das Mães, Andrea comenta que não está de plantão este ano e hoje o domingo será especial com a filha e o marido. "Ela só fala que vai me dar um brinco de presente", afirmou a escrivã.
Trio transformou local de trabalho em "delegacia das grávidas"
A investigadora Rubiene Caldas Paes, 40 anos, a escrivã Andrea Lopes e a delegada Alessandra Jorge também dividem a rotina entre a prisão de bandidos e os filhos. As três dividem uma história em comum. A primeira gravidez delas foi no mesmo período e quando elas trabalhavam no mesmo local. A história foi há seis anos, idade dos filhos dessas mulheres. Elas trabalhavam na Divisão de Investigações e Operações Especiais (Dioe) e fizeram até o local ser conhecido como a "delegacia das grávidas".
"Eu cheguei primeiro na Dioe, vim do interior. Fui transferida para na Dioe em maio e em junho eu engravidei. Um mês depois chegou a Andrea, que já estava grávida. Nós estávamos na delegacia de combate a crimes discriminatórios. Nessa época a Dioe ainda não estava muito estruturada, ficávamos em uma sala no térreo, até pela nossa condição. Porque era ruim ficar subindo escada. Ficamos lá e desenvolvemos trabalho normalmente. Eu cheguei a participar de algumas operações que não representavam riscos a minha saúde ou do meu bebê. Nossa barriga foi crescendo e chegou a Rubiene, também grávida. Ficou a delegada grávida, a escrivã grávida e a investigadora grávida. Isso foi bom porque ficamos unidas. Você sabe que quando tem mulher grávida dizem que não podem fazer muita coisa. A nossa amizade nasceu por causa de ‘preconceito’, se podemos chamar. Ser policial é complicado, ser policial e ainda estar grávida ainda é um pouco mais trabalhoso. Chamavam de a ‘delegacia das grávidas’. Nós três tínhamos barrigões. Eu fiquei na Dioe até 2006, depois fui para a Deam (Delegacia da Mulher), onde estou até hoje. A Andréa e a Rubiene continuaram na Dioe. Na Deam trabalhei mais um mês e depois entrei de licença maternidade", conta a delegada Alessandra Jorge, diretora da Dioe, que tem dois filhos, Aline de 6 anos e Miguel de 3 anos.
A delegada conta que no início da primeira gravidez conseguia fazer o trabalho normalmente. "Quando eu tava na Dioe, eu ia para as operações e nem sabia se seria complicada. Era só para apreensão. Coisa ‘light’ que não prejudicaram a minha gravidez. Pelo menos era o que eu acreditava. Eu fui para Castanhal. Mas claro, em cada operação eu era acompanhada de cuidados. Meu marido é médico e me ajudou muito durante a gravidez", relata.
Para Alessandra, o momento mais difícil da conciliação entre ser mãe e ser policial foi ao retornar da licença maternidade. Na época, a lei Maria da Penha foi criada e o trabalho intensificou, segundo a delegada. Nesse momento, a ajuda da mãe foi fundamental. "Ela foi minha salvadora. O nome dela é Maria do Socorro e realmente foi um verdadeiro socorro na minha vida. Eu ainda não era diretora, o que foi bom no início. Tinha meu horário certinho, se é que pode dizer isso. Entrava 8 horas e sai 19 horas. Minha mãe ficava com minha filha em dias alternados", conta a diretora da Deam.
Culpa por passar pouco tempo ao lado dos filhos é constante
O momento mais difícil da vida de mãe veio no momento de assumir a direção de uma delegacia especializada. A delegada conta que teve receio em dizer sim por causa da filha que tinha apenas um ano e por saber que o trabalho triplicaria. "Quem é mãe enfrenta muitos dilemas. Uma ascensão profissional é sempre um desafio, mas tudo fica ainda mais trabalhoso quando temos um filho. Recusei a proposta de início, disse que minha filha tinha apenas um ano e que precisava de mim. Minha superior respondeu dizendo que os filhos estavam crescidos, mas que tinha que cuidar da mãe com Alzheimer e do pai com derrame. Foi quando pensei ‘se ela consegue dar conta, porque eu não conseguiria’", relatou a delegada Alessandra.
A segunda gravidez da diretora da Deam não foi tranquila como a primeira. Ela conta que a função de diretora da Deam exigia muito e ela chegou a ser internada. "Os quatro primeiros meses foram difíceis, fiquei um mês de licença. Eu agradeço muito a Deus por meu filho ter nascido bem. Peguei Otite, peguei infecções, mas deu tudo certo no final. Eu voltei a trabalhar e só entrei de licença no nono mês de gravidez", afirma.
Agora com os filhos crescidos, ela afirma está com o sentimento de culpa porque ela tem uma rotina de trabalho considerada "pesada": "Você deixa os filhos na escola e tem uma rotina no trabalho. Eu tenho muitas viagens pelo trabalho. Este ano eu estou fazendo uma especialização, mas só porque é uma semana ao mês e mesmo assim fico preocupada. Esse era o horário que eu tinha com eles durante a semana. Minha filha liga atrás de mim, pergunta que horas vou chegar. Tem vezes que ela liga quando estou em audiência", comenta.
Viagens e horários diferenciados atrapalham relacionamentos
A história de Rubiene se assemelha ao relatado pelas companheiras de profissão. Para garantir uma gravidez "tranquila", ela apostou na solidificação da vida profissional, que completou 20 anos, e esperou amadurecer a ideia de ser mãe. Hoje, Rubiene tem um filho de 6 anos chamado Almir.
A investigadora passou por várias divisões da Polícia Civil, entre as quais a Dioe (Divisão de Investigações e Operações Especiais) e a Dema (Divisão Especializada em Meio Ambiente) e, atualmente, é atua na Divisão de Homicídios. "Eu tive meu filho com 34 anos. Optei por fazer faculdade, por estudar e estar preparada para poder engravidar. A profissão é complicada e a maturidade essencial. Não é todo mundo que entende o que fazemos e o que isso exige, o que atrapalha relacionamentos. Você não tem sábado, não tem final de semana, não tem feriado. Às vezes viajamos dois, três ou até quatro dias. É difícil encontrar alguém que compreenda isso e é fundamental conversar com os filhos sobre a profissão", esclareceu.
A investigadora trabalhou até os nove meses e engordou 30 kg. "No final da gravidez fiquei no trabalho interno. Mas antes, com quatro meses, saía grávida para fazer operações, só parei quando a barriga ficou maior. Quando retornei depois da licença fui para Dema. Era horrível porque pensava sempre no meu filho. A sorte é que na época meu chefe era uma pessoa bacana e me entendia. Eu ia amamentar meu filho, que ficou exclusivamente no aleitamento materno até os seis meses", relatou Rubiene.
A rotina da investigadora começa às 6h30. Ela deixa o filho na escola e segue para a Divisão de Homicídios. O principal problema, aponta Rubiene, ainda é o "excesso" de flexibilidade nos horários, já que os policiais não têm horário para sair. "Eu sou da parte operacional. Tenho horário para entrar, mas não para sair. Às vezes ficamos dias no local de uma investigação fora daqui. Mas não esqueço o meu filho. Ligo para ele todo tempo, vejo se está tudo bem, se comeu direitinho. A minha mãe tem ajudado muito na criação dele", afirmou, acrescentando que ser mãe e policial ao mesmo tempo também faz aumentar as preocupações. "Eu vou até locais de crimes onde o motivo das mortes é a droga e isso me preocupa. Também me preocupo com a minha segurança quando vou para casa. São preocupações que todos possuem, mas eu tenho a atenção redobrada", afirmou.
Ela lembra que o trabalho já a fez ficar ausente de casa no Dia das Mães. Foi no ano passado, quando a investigadora precisou viajar para investigar um homicídio em outra cidade. "Na festa do ano passado do colégio dele eu não consegui participar, porque estava viajando, mas ele gravou o vídeo. Este ano consegui ir. É complicado porque não temos rotina de trabalho como outras pessoas. Se você tem operação da polícia 4 horas, você precisa ir", relata a investigadora, que passa o Dia das Mães com o filho neste domingo. "Meu plantão é só na segunda-feira", acrescentou.
* FONTE: JORNAL AMAZÔNIA (EDIÇÃO DESTE DOMINGO, 13/05/12).
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