MATÉRIA DO DIA: "OS ATIRADORES DE ELITE DA POLÍCIA MILITAR"
Por César Modesto *
Ananindeua, 21h40 de sexta-feira, dia 20 de janeiro de 2012. Quatro assaltantes armados invadem um micro-ônibus e fazem reféns cerca de 20 passageiros por aproximadamente duas horas. Tempo aparentemente interminável, em que a vida de todos permaneceu em perigo. O veículo fazia a linha União/Castanheira/Marituba. O motorista foi obrigado a desviar caminho, abandonou a rodovia BR-316 e seguiu para a estrada de Santana do Aurá, onde começaram os saques. Neste momento, os assaltantes foram surpreendidos pela aproximação de uma viatura da Polícia Militar do Pará, cuja equipe desconfiou da presença do coletivo no local e acionou reforços.
Encurralados, os criminosos ameaçaram a vida dos passageiros. Uma das vítimas, inclusive, ficou com uma arma apontada para sua cabeça do início ao fim das negociações, situação que deixou o clima ainda mais tenso. Segundo informações da Polícia Civil do Pará, os quatro assaltantes - Jonatas de Melo, de 18 anos, Diego Oliveira dos Santos, de 19 anos, e mais dois adolescentes - já haviam participado de vários roubos e, durante a fuga, resolveram invadir um micro-ônibus e fazer o último assalto daquela noite.
Enquanto policiais militares da 14ª Zona de Policiamento, Ronda Ostensiva Tática Metropolitana (Rotam) e Comando de Operações Especiais (COE) fechavam o cerco contra os criminosos e prosseguiam com as negociações, figuras invisíveis estavam bem posicionadas e acompanhando tudo à distância, embora com uma riqueza de detalhes que nem mesmo os militares mais próximos do micro-ônibus poderiam enxergar.
Eram os atiradores de elite ou snipers, profissionais integrantes do COE com treinamento e perícia de alto nível, capazes de atingir um alvo distante cerca de 200 metros com margem de erro inferior a 1%. Eles são chamados em todas as ocorrências que envolvam assaltos com refém na Região Metropolitana de Belém, estão de sobreaviso 24 horas por dia e treinam sua precisão diariamente no estande de tiros do Grupamento de Fuzileiros Navais de Belém, no bairro do Mangueirão.
Naquele assalto, assim como em todas as outras missões em que já atuaram, não foi necessário o disparo fatal. O projétil usado por eles, um ponto 308, cuja trajetória viaja cerca de 840 metros por segundo - duas vezes mais rápido que a velocidade do som no nível do mar - tem poder suficiente para atravessar (ou arrancar) o bloco de motor de um automóvel, o que torna qualquer disparo letal. Dependendo das condições, o projétil também é capaz de abater aviões, algo que demonstra a sua força e a ineficiência de qualquer colete. Mas a missão dos snipers não está restrita ao abate do alvo. Seu trabalho principal é observar o ambiente e repassar informações valiosas que contribuam para a rendição dos criminosos.
Dentre as ocorrências que ilustram essa importante modalidade, os atiradores citam outro assalto com refém ocorrido no ano de 2004, no qual os criminosos invadiram outro coletivo também em Ananindeua e, aproveitando-se da nuvem de poeira que havia no local, trocaram rapidamente de roupa com alguns reféns e os empurraram para fora do veículo. Se os atiradores de elite não tivessem observado a movimentação dentro do ônibus, através das lunetas de longo alcance, e avisado aos colegas sobre a artimanha, desfecho daquela situação poderia ter sido trágico. Contudo, os assaltantes foram identificados e presos.
Além do que os olhos conseguem alcançar
Por questões de segurança, os atiradores de elite não podem ser identificados, contabilizados e tampouco ter a vida pessoal relatada. De acordo com o subcomandante do COE, capitão Anilson Almeida, a expectativa que em breve o Pará disponha do seu próprio curso de formação e aumente o efetivo até formar um esquadrão. "Havia a necessidade de contar com atiradores no policiamento da nossa região, assim como tem ocorrido em todo o país. Durante determinadas crises, estes especialistas são fundamentais para a negociação ou mesmo para neutralizar o criminoso que põe em risco a vida das pessoas", pontua o capitão.
Os atiradores de elite têm amparo legal na Constituição Federal e no Código Militar para desempenhar suas funções. Eles receberam treinamento em em Brasília, Rio de Janeiro e Mato Grosso, além de países como Espanha e Israel. Importante ressaltar que esses militares são paraenses nativos e passaram vários meses para concluir seus cursos, no qual suas capacidades foram testadas ao extremo.
"Eles enfrentam as mais rigorosas avaliações médica, física, psicológica ou psicográfica e perícia técnica. Todos eles são especialistas em armamento e os únicos no Pará autorizados a manusear o Fuzil .308 IMBEL AGLC e a luneta Leopold Mark IV, com aproximação de até 10 vezes. Vale ressaltar, que a ação dos snipers é a última escolha. "Em último caso entram em ação os snipers. No entanto, ele participa como observador, orientando e repassando informações que podem ser usadas contra o agressor, como um nome tatuado que pode ter um significado sentimental. Estamos solicitando a aquisição de novos rádios, ativados pelo movimento das pregas vocais quando o atirador estiver falando, o que evita desatenções com outros objetos além do fuzil", adianta o capitão.
Treinamento permite manter a serenidade durante toda a ação
Apoiado em uma pequena almofada e deitado sobre uma esteira preta, o atirador de elite parece adentrar um mundo particular. Esta espécie de ritual é praticado todos os dias quando os snipers visitam o estande de tiros e disparam pelo menos uma vez. O objetivo é saber se a arma está devidamente regulada e calibrada, visto que podem ser acionados para uma operação especial ou algum assalto com refém a qualquer momento do dia.
"Quando estou com uma pessoa na mira, não posso ter dúvidas. Preciso ter a certeza que a arma está em perfeitas condições, pois qualquer desarranjo pode por tudo a perder. Tudo influencia no disparo: temperatura, clima, direção e força do vento, altitude, ângulo etc. Não é apenas olhar na luneta e puxar o gatilho. Diferente dos demais colegas de farda, eu tenho ‘permissão’ para errar até três centímetros a 100 metros, seis centímetros a 200 metros e assim por diante. Se tudo estiver perfeito, estarei pronto caso receba ordem para atirar", afirma um dos atiradores.
Enquanto se preparam para efetuar o disparo, a concentração é tamanha que, mesmo sob risco iminente, os atiradores parecem não sair do lugar nem da posição. Enquanto estão responsáveis pelo alvo, a mira parece constante. Sem ser perdida nenhuma vez. E na verdade é exatamente isso o que acontece. "Durante uma missão só existem três coisas: você, a crise e sua responsabilidade", destaca outro atirador. A frase, inclusive, representa a preocupação desses militares e do próprio COE quanto à repercussão que um único disparo seria capaz de provocar. "O melhor é mesmo não precisar atirar, mas se for necessário sempre estaremos prontos", acrescenta. Um tiro de sniper é um disparo pensado para matar, com 99,9% de eficácia.
Devido haver uma série de critérios de seleção, os atiradores de elite também são considerados policiais excepcionais. Dentre suas características mais comuns, eles aparentam usar da mesma serenidade com que usam as palavras para efetuar um disparo. Não dispõem necessariamente de um físico avantajado, mas mantêm a saúde e o condicionamento físico em dia.
"Nós também somos atletas, não bebemos, não temos vícios. Precisamos estar com a mente sempre em equilíbrio para não dispersar ou perder o controle em situações extremas. O mundo pode estar desabando, mas o treinamento que recebemos nos permite manter a calma mesmo nos momentos em que tudo, o que inclui a vida ou a morte de uma pessoa, depende de um único movimento", explica o militar.
Tiro fatal: precisão dos disparos é de 99,9%
Recentemente, no Brasil, atiradores de elite da Polícia Militar tiveram de puxar o gatilho para evitar a morte de inocentes. Em março de 2011, em Garanhus, no agreste Pernambucano, Leonardo Bezerra da Silva foi executado após manter refém por cerca de duas horas a balconista Edvânia Galdino da Silva. Ela estava com uma faca apontada para o pescoço e ele disposto a matá-la. Apenas um tiro foi disparado, e acertou a cabeça de Leonardo no instante em que colocou a balconista de joelhos e disse "se ajoelha que a sua hora chegou".
No mês de julho do ano passado, no município de Várzea Grande, no Mato Grosso, Salvador Neres dos Santos Silva, de 42 anos, fez uma família inteira refém durante uma fuga. Seis pessoas, dentre elas duas crianças, foram amarradas e ficaram sob a mira de um revólver de calibre 32. Durante as negociações, o assaltante demonstrou estar irredutível e assim que puxou o cão da arma (peça em formato de martelo que deflagra o projétil) e a apontou para as crianças foi atingido por um tiro na cabeça e morreu na hora.
* Fonte: Jornal Amazônia, edição de 05 de Fevereiro de 2012.
Comentários