ARTIGO DO DIA: "JUSTIÇA (IN)" POR ARMANDO MOURÃO*
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ARMANDO MOURÃO |
Dentre as palavras mais invocadas na vida social e política, e de entendimento mais complexo, encontramos a “justiça”. Ela converteu-se em símbolo de declarações políticas, econômicas, sociais e culturais e a encontramos em todas as civilizações, porém sua extensão concreta e consequente aplicação varia entre os povos através das gerações. Com efeito, ao longo da história, os conceitos de “justiça” e de comportamento “justo” foram enriquecidos, todavia ofuscados por outras variáveis. Pode-se afirmar que o termo “justiça” nos dias de hoje representa um conceito mais complexo a ser justificado.
Isso nos conduz a mudanças reais de conteúdo, segundo a interpretação. Ela se direciona a resultados distintos, fazendo com que este artigo seja uma aproximação do leitor ao conceito de justiça. Não padece qualquer dúvida sobre seu contexto atual, no qual os valores da pessoa humana, sua dignidade e seus direitos se vêem constantemente ameaçados e vilipendiados em várias partes do orbe. Substantivo comum, mas com grande capacidade convocatória, “justiça” converteu-se em palavra-chave de declarações de sistemas políticos, econômicos, programas sociais e movimentos culturais de modo a ter-se constituído num dos slogans mais verberados.
Justiça, na verdade, reflete sentimento primário, um conceito comportamental e ético que deveria integrar todas as culturas. Eis que sua extensão e justa aplicação deveriam ser uniformes, de modo a contemplar igualitariamente todos, gregos e troianos. Segundo a formulação mais tradicional, “justiça” consiste na constante e firme vontade em distribuir equitativamente direitos e deveres, não importando a condição social do agraciado. Partindo de premissa subjetiva, a distribuição de justiça se processa pelo reconhecimento do próximo, enquanto pessoa determinada pelo critério da moralidade nos âmbitos intersubjetivo e social.
Assim sendo, a ideia de “justiça” nada mais é do que o conceito fundamental da existência humana, ocupando lugar destacado na cultura ocidental. Afinal, trata-se de noção natural e espontânea que acompanha o ser humano na sua relação com os demais, derivando para um comportamento pessoal ou social. Na verdade, trata-se de uma realidade imprescindível para a convivência, haja vista representar o equilíbrio entre a pretensão e prestação jurisdicional. Quando se diz que a “justiça” exige algo refere-se a direitos, aos quais se deve corresponder e respeitar.
A “justiça” associada cumulativamente com a “verdade” e o “bem” representa a trilogia dos grandes conceitos e realidades humanas. Na contramão, “injustiça” está intimamente ligada à “mentira” e ao “mal”. Por consequência, a otimização do ser humano e a melhora da sociedade caminha no rumo da verdade, do bem e da justiça, enquanto a existência e a convivência social perdem sentido, tomando o caminho tortuoso do erro, do mal, quiçá da própria injustiça. Como diria Platão, “quem pratica a justiça – indivíduo ou sociedade – está eticamente são, ao contrário quem a fere revela estar gravemente enfermo, via de regra em estado terminal”.
A semântica do conceito de justiça é polivalente, considerando a valoração dada aos seus diversos significados: bíblico, teológico, filosófico, jurídico, social, político, ético, religioso e laico. O pluralismo sobre o conceito de “justiça” ou “comportamento justo” não só foi enriquecido, mas ofuscado por elementos filosóficos, jurídicos, políticos e ideológicos, procedentes das mais diversas teorias. Portanto, é correto afirmar que “justiça” corresponde a um dos conceitos mais complexos e difíceis de explicar, especialmente, quando cada regime ou sistema adota “sua” própria justiça.
Assim sendo, nos defrontamos com um conceito análogo: nem unívoco nem equívoco. Essa é a razão maior sobre os apelos repetidos e apaixonados por “justiça e “exigências da justiça”, binômio distante de ser alcançado, considerando representar raras possibilidades de entendimento, daí o agravamento das diferenças, aquecendo ainda mais a chama inflamada das lides. Assim, o que hoje testemunhamos é a carência absoluta de meios de persuasão e entendimento, além do claro desprezo a métodos amistosos como formas de garantir seus legítimos direitos. Daí, via de regra, o recurso de extremada violência como mecanismo de solução até mesmo para pequenos embates.
* Armando Mourão é delegado da Polícia Civil do Estado do Pará
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