ARTIGO: "BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO?", POR ARMANDO MOURÃO*
É fato que a célebre frase pronunciada por um festejado policial fluminense, ao vaticinar que “bandido bom é bandido morto”, não mais encontra espaço na história da humanidade. O aprofundamento de conceitos acerca de humanismo, cidadania, igualdade, solidariedade, garantias individuais, etc, sem dúvida afastam definitivamente esta tese da ordem jurídica estabelecida pelo Estado Democrático de Direito.
Além disso a proposta, quando defendida por quem se proclama cidadão de bem, pagador de impostos, respeitador das leis, cumpridor de suas obrigações, zeloso com sua religião que tem a vida como bem maior a ser preservado, norteando, inclusive, sua posição radical contra o aborto etc, encerra duas contradições insuperáveis: um cidadão de bem não pode defender a morte de uma pessoa pelo descumprimento da lei, bem como um homem religioso não pode fazer o mesmo, já que comunga da crença de que a vida é o bem maior tutelado, que precisa a todo custo ser preservada.
Assim, neste debate dicotômico representado pelo bandido mau a ser morto pelo homem bom e quem vai executá-lo por conta de suas maldades, considerando que o argumento racional não consegue convencer os que não estão dispostos a ouvir, resta a interlocução movida pela emoção e chamamento ao sentimento, ao olhar-se e encontrar-se no mundo. Assim a cultura de que “bandido bom é bandido morto” resta-me lhe dizer que este seu sentimento me apavora mais do que o comportamento do infrator que tanto mal proporciona a seu semelhante, apenas para satisfazer sua dependência química ou de quem, do conforto de sua poltrona, digitando em um computador, tablete ou smartphone, simplesmente deseja a morte de outra pessoa que lhe arrombou a porta e lhe levou seus valiosos apetrechos tecnológicos.
Por fim, nesta lógica macabra, vencidos todos os argumentos contrários, é chegada a hora de matar o bandido, definir como será sua execução e quem será seu carrasco. Ora, o Estado não pode fazer isso, pois nosso ordenamento não prevê a pena de morte. Pela mesma razão, autoridades civis, militares e seus prepostos também não. Dessa forma, por exclusão, não concordando a vítima com a execução do marginal, a tarefa seria entregue aos corajosos e heroicos defensores da medida extrema. Assim sendo, já escolheu como pretende matar seu bandido hoje? Já escolheu as armas? Usarão meios mais sofisticados? Injeção letal? Cadeira elétrica? Fuzilamento? Enforcamento?
Finalmente, depois da execução, estando comprovadamente morto seu bandido, considerando que não concorda com os métodos vigentes no Estado de Direito, nem precisa comunicar o fato à autoridade policial. Não esqueça, pelo menos, de se confessar ao seu padre ou pastor, rogando-lhe a intercessão do perdão divino por ter violado um dos sagrados mandamentos divinos, sob pena de não alcançar a salvação eterna, tornando-se sério candidato a fazer companhia aos que já estão no inferno, inclusive o próprio bandido executado.
É preciso acreditar na justiça, desde que se faça presente, imparcial e célere, sem qualquer distinção de classe social, punindo efetivamente na forma da lei quem a transgride. Somente assim será definitivamente abandonado o velho jargão policial semeado entre alguns seguidores de que “bandido bom é bandido morto”.
* ARMANDO MOURÃO É DELEGADO DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DO PARÁ E DIRETOR DA SECCIONAL URBANA DA CIDADE DE ANANINDEUA.
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